sábado, 25 de setembro de 2010

*Do ciúme que ele sentia*

*...*

Por fim cometeu o erro de querer-lhe só pra si.
E as pessoas não são assim tão fáceis de se laçar. Sentimentos têm vôos próprios mas ninguém disse isso a ele.

Quis correr com as ameaças, acabar com os vícios, varrer o passado que ela insistia em lembrar.
Jogou fora os perfumes, escondeu o batom, estilhaçou o espelho. Ela não mais precisaria refletir-se, posto que ele já a enxergava. Ela o tinha, enfim. Em seu leito, em seu coração, em sua casa, entre as pernas.
Ele achou por demais absurdo que ela continuasse a usar lápis nos olhos, salto alto e aquele vestido vermelho.
Arrancou-lhe as pérolas do pescoço, então. Os olhos já brilhavam o suficiente.
Desmascarou-a. Desarmou-a.
Agora ela o pertencia. Corpo, alma e coração.
Cuidaria para que não lhe faltasse nada. Nem ninguém.
Um dia, porém, ao chegar da rotina, encontrou-a na cozinha. Os calos, as rugas, os fios brancos, o cheiro de tempero...tudo lhe pareceu intensamente perceptivo. Achou-a feia.
Achou-a triste e sem graça.
Tentou encontrar nela o motivo da paixão de outrora. Tentou encontrar em si qualquer resquício.
Os olhos dela não brilhavam mais. Tentou lembrar onde pusera as pérolas.
Mas não adiantaria.
O que ao ciúme sucumbe, o tempo não perdoa.




Ps.:Me ame assim. Como sou. E se não for o jeito certo de ser, ainda assim será o MEU jeito.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Das relíquias II

* No café da esquina *
Fingiram-se estranhos quando os olhos se encontraram.
Um soco na boca do estômago...pra ele.
Pra ela, as borboletas dançantes, teimavam em coreografar no pavimento torácico.
Pra ambos, um fugir do chão sob os pés.
Era a primeira vez que se viam depois de tanto tempo. Assim, há metros de distância. Há três ou quatro passos. Há uma ou duas palavras.
Por um lapso de segundo temeu que ele pudesse ouvir o tambor pulsante em seu peito.
Por um instante tentou captar, na brisa que passava, qualquer resquício do cheiro dela. "Almíscar e vanilla" - ela costumava dizer. Pra ele, e suas lembranças, ela sempre cheirou a aconchego. E disso ele nunca esqueceu.
Ele engordara, ela notou.
Ela mudara o cabelo, ele aprovou.
A cena, agora paralisada, deu tempo pra que sentissem saudades. Deu tempo para que as perguntas, antes sufocadas, voltassem a latejar. Deu tempo de pensar 'outra vez'. Em outra vez.
Ela estava acompanhada, ele não pôde deixar de perceber.
Ele não usava aliança, ela logo verificou.
Ficaram ali, conhecidamente estranhos, trocando olhadelas furtivas. Supondo. Lembrando. Digerindo a presença um do outro.
De repente os olhos ficaram turvos e ela teve medo de chorar.
De repente ele sentiu uma necessidade imensa de olhar pra os próprios pés. Vergonha talvez. Remorso, quem sabe.
Ela olhou pra ele e, desviando o foco para aquele ao seu lado, não teve mais certeza de nada. Mas parecia resignada.
Ele, por sua vez, olhou pra ela e procurou qualquer motivo, qualquer porquê, qualquer resposta.
O cenário voltou a se mexer, despertando-os, por fim.
Pela última vez os olhos se cruzaram, e foi mágoa o que se viu neles.
Ela levantou e foi embora, mãos dadas com outro alguém.
Ele ficou ali. Inerte. Dormente.
E entendeu da onde vinha a dor que ardia em seu peito naquele instante: era a primeira vez, depois de tanto tempo, que a olhava de outra perspectiva. Da perspectiva de fora da sua vida.

E ele chorou.







Ps.: Porque eu não sei de nenhum encontro pós-amor que tenha sido fácil. E quis falar disso.

domingo, 12 de setembro de 2010

*Do pedido...*

*...que você me fez.*
Catei as palavras que o coração não esqueceu. Que a rotina não manchou. Que a distância não diminuiu.
Catei algo aqui dentro que te definisse. Te medisse. Te demarcasse no peito.
E qual não foi a minha surpresa ao ver que tu não tens definição! Tu és mesmo esse serzinho espaçoso e sem limites que a gente conhece desde menina. E eu percebo que eu nunca te quis diferente. Nunca quis que tu mudasses esse teu jeito de chegar e fazer manha, essa alma maior que o corpo, esse coração maior que tudo.
Nunca quis que teu sobrenome deixasse de ser dengo. Nem que o orgulho que te petrifica a razão fosse menor. Tu faz parte de uma família de rochas e bem sabes disso.
Hoje eu vejo que se tu cresceu mesmo o tanto que eu acho que cresceu, devo me resignar, então. E aceitar que agora o caminho é tu que trilha. Não cabe mais a mim te guiar. Só te acompanhar.
Se possível, te punha num potinho e guardava pra sempre. Como não posso, faço exatamente o contrário. Te digo que vá.
- Vai minha menininha. Voa. E voa alto que tuas asas já merecem o aquecer do sol e a brisa de todas as luas. E não ficas com medo porque todo mundo já foi Ícaro, um dia.
Que em todas as alçadas eu estarei do teu lado. Ou mesmo à tua espera, malas no portão e aquele abraço que eu guardo só pra ti.
Tu não te defines em mim porque a parte que te cabe é latifúndio. E não se mede latifúndio, apenas se deixa frutificar.
Ps.: A você que me pediu palavras, todos os silêncios do mundo. Porque nada que se diga nunca pagará o que te guardo aqui dentro. Amor.